(In) Amor Próprio


"It's sad but it's true how society says her life is already over
There's nothing to do and there's nothing to say" Lily Allen, 22

A sociedade é uma coisa linda, em desenvolvimento, em crescimento numa altura mirabolante  de abertura a críticas. Tão avançada e tão contemporânea e ao mesmo tempo permanece presa em retrocessos e padrões.... 


Como muito de vós sabeis tenho uma batalha com depressão. Isto levou a momentos em que confesso que amor próprio não existiu, questão que ultimamente tenho andado a refletir..... o amor próprio é nos ensinado? Desde pequena que me foi incutido que a beleza era importante, ou seja, que os outros me achassem bonita. Ouvi (e ouço) que magreza é equivalente a beleza. Eu era uma adolescente de 90 e tal quilos. A sociedade não me achava bonita e como não me achava bonita, automaticamente eu não era ninguém e assumi que me tinha que contentar com qualquer tipo de amor... e o qualquer tipo de amor pode-se tornar perigoso.

Acrescento que cresci numa família de culturas mistas, que a minha própria mãe desde que eu me lembro passava horas a esticar o cabelo para ser "bonito". E que me dizia inclusive que para os rapazes gostarem de mim para me maquilhar mais. As regras ditadas pela cultura e sociedade ao longo prazo fizeram-me questionar tudo e todos. Crescer num ambiente de relações tóxicas com a forte ideia de que o físico dita muito, passei anos e anos em que a comida era o meu refugio. Ser a "gorda" tornou-se o meu refugio.... tinha amigos e não sofria de bullying, então nunca me senti isolada do dito "normal" para os adolescentes. Enquanto vestia uns 5 tamanhos acima das minhas amigas e colegas passava horas e horas a ler revistas para raparigas adolescentes que ditavam como emagrecer e atrair namorados, os bikinis e as roupas curtas do momento. Na minha cabeça fingia ser assim.... era o centro do desejado pela sociedade e inconscientemente desenvolvi uma ideia de que só teria autoestima quando chegasse a este padrão, a essa beleza desejável que me iria dar todo a confiança e amor próprio do mundo, vinda por elogios de outras pessoas.

A verdade é que nunca cheguei lá... emagreci claro, já não uso maquilhagem. Mas ironicamente os meus complexos apenas aumentaram. E é aqui que entram os perigos sobre como a sociedade molda os padrões do feminino e masculino. Como eu me achava menos porque sempre me tinha sido dito, as relações tóxicas começaram e entrei numa onda de achar que merecia ser tratada assim, porque era inferior. Obviamente isto não se reduz tudo ao aspeto, mas lembro-me de um ex relacionamento me dizer "és gorda mas gosto de ti". A verdade é que as aparências chegam ao baile e que mesmo hoje questiono tudo. O peso é uma batalha constante. Lembro-me de ter alturas em que vestia mil coisas diferentes e desistia de sair a rua porque achava que ficava feia em tudo. Lembro-me que quando mudei as lentes dos óculos e me vi pela primeira vez pensei "meu deus és ainda mais feia do que já achavas". 

Quando já achamos que temos tão pouco para oferecer que tudo se relaciona com a nossa aparência e como os outros nos perspectivam, ficamos dependentes de elogios definidos por padrões. O cinema, as revistas, a tv, a música.... O nosso valor parece intrinsecamente ligado às opiniões geradas pela sociedade e que inconscientemente ditam o nosso amor próprio. A sociedade em massa parece-se esquecer que nós enquanto humanos desenvolvemos a nossa auto-perceção de forma individualista. 

Para quem teve (em) desequilíbrios entristece-me pensar que a primeira vez que achei que merecia algo melhor foi este ano. E nem pensei algo incrível como "sou mesmo fixe", pensei "não sou nada de especial, mas mereço melhor", mas suponho que o amor próprio começa por algures.... e o "mereço melhor" é pelo menos um início. 

 


O Diário de uma Adolescente (2015)

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