Violência psicológica: A minha história

Sobre aquilo que vos trago hoje; pensei várias vezes em escrever sobre isto, pensei e comecei, pensei e desisti. O irónico é que desisti não pela exposição da questão em si, mas pelo que fui ouvindo. Mas... lá chegaremos. Nos dias em que correm a violência doméstica é por vezes referida como algo que acontecia nos tempos dos nossos avós, mas estamos tão longe dessa ser a verdade. Esta é a minha história. 

Verão 2012

Tinha 23 anos e adorava estar apaixonada, provavelmente estava mais apaixonada pela ideia do amor (ou o que eu julgava ser amor) do que com vontade de entrar numa relação a sério. A ideia utópica e quase infantil de uma relação era uma grande sedução justa posicionada com uma grande falta de auto-estima do qual eu carecia.  

Num festival de verão assim o aconteceu. Não sei se pelo espírito, a liberdade ou estado meio alcoolizado da semana, apaixonei-me. Do nada e sem grandes enredos e assim embarquei eu, de uma forma muito naive para o que seria o ano mais marcante da minha vida. Claro, nem todos que começam assim acabam da mesma forma que o meu, mas provavelmente a falta de conhecimento a  longo prazo foi um fator. 

E assim foi, uma semana em que por ingenuidade despejei a história da minha vida para esta pessoa. Revelando todas as dúvidas, inseguranças e fraquezas que tinha e a sentir-me aliviada por não ser rejeitada e ele parecer não se importar com tudo que eu considerava de errado comigo. 

Desenvolvimentos   

Podia escrever aqui todos os episódios que sucederam num período de um ano, mas a verdade é que não quero, nem é tanto pela partilha. Mas por sentir que já existe um distanciamento com essa altura da minha vida e por me lembrar que ainda me tremiam as mãos ao falar disto no ano passado. Mas deixo alguns episódios que me deviam ter feito pensar e que na altura eu julguei serem minha culpa e outros que despoletaram a ideia que aquilo se calhar era abuso.

Começo por relatar que a maioria do abuso foi psicológico. O físico terá sucedido uma ou outra vez em que me atirava o telemóvel porque um amigo me ligava. E honestamente quando penso nisto e me relembro dos anos que vivi atormentada depois, o que me vinha a cabeça eram sempre as palavras pronunciadas. 

AH! Esqueci-me! Ainda não vos apresentei. Vou sugerir que ele se chame João (nunca namorei com nenhum e parece-me um nome suficiente banal). 

Bem começamos por sinais. O João de uma forma amorosa não gostava que eu estivesse ao telemóvel, fazendo questão de me tirar (ou mais tarde, como já referi, atirar-me com ele). O João também não percebia o  porque de eu gostar do Natal, dizendo-me que era uma coisa ridícula. Ou então a pressionar-me para conhecermos a família um do outro apesar de eu repetir vezes infinitas que eu não queria. Sobretudo, o João gostava de me relembrar que no que eu acreditava era ridículo e que apesar de eu ser bonita era muito estúpida. "A tua sorte é seres bonita" pronuncio ele umas quantas vezes. E o ridículo ia desde crenças políticas até ao ato de alisar o cabelo. Até sobre como eu usava o cabelo ele tinha que ter controlo. E sobre com quem eu me rodeava.... argumentando que nenhum amigo me podia ligar tanto sem haver nada sexual entre nós. Ou sobre o que eu comia.... Porque se eu não comia era recebida com gritos. Mas se eu comesse era recebida com "és gorda, mas "isto" funciona". 

Também me lembro das primeiras palavras após a primeira discussão "tens cara de cadela abandonada", palavras que seriam repetidas vezes sem conta, acompanhadas por estúpida,ridícula, irritante e nojo. 

E apesar de outras situações foram essas que ficaram marcadas durante anos. Gostava de vos dizer que não chorei, mas chorei e as palavras dele assombravam-me cada vez que eu conhecia alguém novo, cada vez que tentava conquistar um objetivo. Eram chapadas constantes e dolorosas. 

E o irónico é que acabei a relação, mas não por isto, mas por outros motivos. Arrependendo-me e voltando. Acreditando que a culpa era minha. Sim, porque ele repetia "eu digo-te estas coisas por gostar de ti, para seres melhor". 

E hoje?

Após uns anos e ao contar estas coisas que já parecem tão distantes, o mais curioso é que por vezes oiço "ficaste porque quiseste". E sim, fiquei porque quis, fiquei por sentir que realmente tudo que me era dito era verdade e fiquei sobretudo porque todo o meu auto-estima pouco existente tinha sido derrubado. Não vos vou mentir e dizer que não pensava constantemente que algo estava errado e que eu não era feliz, mas achava tão desesperadamente que ninguém mais ia gostar de mim que achava que o "amor a sua maneira" era melhor que nenhum. Estava errada. Não é amor. Não era nada. Era apenas um projetor das inseguranças do João. E era violência psicológica e verbal. 

E hoje? Hoje gostava de vos dizer que já não sinto nada, que já me é uma situação indiferente. Mas há marcas que ficam e que eu tento combater e usar de forma positiva. A rapariga que dizia que nunca se sujeitava a maus tratos sujeitou. As palavras têm uma infelicidade de nos perseguir e de aparecer como lightbulbs nos nossos momentos mais fracos. E de certa forma o que fica é a vontade de nunca mais passar pelo mesmo, trazendo com isso tudo que pode ser negativo. Esta é a minha história. 

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Comentários

  1. Fizeste-me voltar no tempo, há não muito tempo atrás...os meus indícios de boa pessoa, o mesmo controlo, o mesmo acreditar de que eu estava errada. Hoje, quem sabe, também me pergunta: mas tu? Como? Como te deixaste chegar a esse ponto?" A violência psicológica pode ser das piores dores...Obrigada pela tua partilha, acredito que ajudes imensas pessoas!

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